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Impactos A.C e D.C na saúde suplementar X mercado consumidor

 

A pandemia do Covid-19 atingiu o mundo, causando milhares de mortes, propagando o medo, o isolamento, a fome, a miséria e, ainda, o não mensurado: a crescente insegurança. No Brasil atingiu não apenas a economia, como também trouxe impactos ainda mais graves, como é o caso da saúde pública, ou melhor, a falta dela. Aos que conseguirem sobreviver ao vírus, ainda terão o desafio de enfrentar os reflexos do isolamento social, como a depressão, o desemprego, que em muitos casos resultarão em tratamentos psiquiátricos.

As notícias desencontradas, vindas de outros países, a respeito dos primeiros casos e as decisões tardias ou antecipadas dos chefes de Estados, parte culpa pelo enfrentamento ao desconhecido e pesquisas não suficientes sobre o vírus, causaram pânico na população. Até obtermos informações consolidadas a respeito do vírus, tais como o local que surgiu, danos causados no corpo humano, meios de propagação, reconhecimento dos grupos de riscos, etc. para o oferecimento de saúde pública de forma efetiva, ficaremos vulneráveis. Ou a falta de informação de alguns países seria proposital, de viés econômico e político?? Muitos de nós sequer havia experimentado algo tão terrível, de tamanha mortalidade. A nossa história, contudo, revela outras doenças de grande letalidade na sociedade como a “peste bubônica”, causadora da Peste Negra, que assolou a Europa no Século XIV. A Varíola atingiu o Egito e não poupou nem mesmo o faraó Ramsés II, a rainha Maria II da Inglaterra e o rei Luís XV da França. Eles tiveram a temida “bixiga”, que matou cerca de 200 milhões de pessoas. Durante três mil anos esteve erradicada, apenas em 1980 houve a notificação de novos casos da doença, que resultou em maciça campanha de vacinação.

A cólera em 1817 também matou centenas de  milhares  de  pessoas,  que  devido a mutação da bactéria, ainda apresentou ciclos epidêmicos. E é por este motivo que ainda é considerada uma pandemia de menor extensão.

Já a gripe Espanhola atingiu entre 40 e 50 milhões de pessoas em 1918, cujo vírus teve origem na Europa. Mas quando um Transatlântico desembarcou infectados em Recife, Salvador e Rio de Janeiro, o vírus Sars-Cov-2 se alastrou pelo Brasil. Tinha sintomas bem parecidos com o atual coronavírus, versão 19. Não menos importante, a gripe suína H1N1, surgida no México em 2009, também se espalhou pelo mundo de maneira avassaladora.

A pandemia Covid-19 gera diversas especulações, talvez na tentativa de obter uma explicação para tanto sofrimento, disseminação entre as pessoas e que causa tanta comoção. Um exemplo, até para quem não é cristão, foi a cena do Papa Francisco na Praça de São Pedro vazia, em 27/03/20, inesquecível, foi veiculada pela imprensa mundial.

Para os cristãos, a justificativa é de que a Bíblia menciona sobre “o fim dos tempos”, trazendo à tona castigos e pragas. Por outro lado, os cientistas, céticos na espiritualidade, e arraigados na ciência, tentam encontrar respostas a inimagináveis desgraças sofridas pela humanidade.

Pesquisadores com realidades de estruturas completamente diferentes, lastreadas nos recursos financeiros vastos, em destaque para os da Inglaterra, EUA e Suíça, cujas universidades e grandes empresas aportam milhões de dólares e euros para estudos científicos, tentam encontrar soluções em testes, tratamentos e vacinas para conter o “caos”. Algo muito diverso do Brasil, com estruturas sucateadas. Outro exemplo refutado pela ciência é de que se trata de uma “arma biológica”, aquelas “velhas discussões” advindas do todo poderoso EUA, que culpa os chineses ferrenhamente, defendido por senadores republicanos. Cabe-nos então uma reflexão: “ameaça da ascensão chinesa” x “poder econômico”? Ou, talvez, tenha sido desenvolvido em morcegos, que foram vendidos para um mercado chinês? Todavia, adentrar o viés político externo e, menos ainda interno, não objetiva as reflexões aqui expostas. Até porque, convenhamos, não somos exemplo de nada! Não é mesmo? Tanto que, não temos saneamento básico para a população na maioria do Brasil, segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o desenvolvimento sustentável (CEBDS). Ocupamos a vergonhosa posição de 112ª no ranking de saneamento, para um país que ocupa a 7ª maior economia do mundo; ou seja, a população não tem garantias de tratamento de água, esgoto e coleta de resíduos. Uma triste realidade que se agrava ainda mais com a pandemia.

Então, polêmicas à parte, voltemos à atuação científica que embasa ou, pelo menos, tenta abastecer de informações a Organização Mundial de Saúde (OMS), e a Organização Pan-Americana de Saúde que prestam apoio técnico ao Brasil, acompanhando as ações do Ministério da Saúde. Estes órgãos auxiliam no rastreamento de contatos e visualizações de transmissões; ampliação da capacidade de diagnóstico; seminários de esclarecimentos à população; emissão de relatórios no auxílio e sugestões aos chefes de Estado, conforme o avanço da pandemia em seu País.

Feitas tais considerações é preciso se fazer uma linha nada tênue entre os cidadãos brasileiros que possuem “saúde suplementar”, que abrange (seguros e planos de saúde), adquiridos através de planos empresariais/coletivos e individuais. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS), até março/2020, apenas 24,25% da população possui algum tipo de plano de saúde suplementar, envolvendo assistência médica. Quando considerados somente os de odontológica, esse percentual é de 13,37%, totalizando, assim, 37,62% em face da grande maioria da população que depende, exclusivamente, do Sistema Único de Saúde (SUS).

Diante de tal cenário temos dois principais marcos: a saúde suplementar A.C e D.C, e o mercado consumidor. Não é antes, nem depois de Cristo, ainda que considere um marco tão importante, quanto para muitos ramos no âmbito securitário. Tudo porque os beneficiários da saúde suplementar, enfrentam e enfrentarão grandes dificuldades, seja Antes do Covid-19, ou Depois do Covid-19!

O primeiro marco inicia com o merca- do da saúde suplementar, em linhas superficiais, abastecida de dados através de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), no ano de 2019, com o crescimento do mercado de trabalho, entre planos individuais e coletivos, com um crescimento maior para este último. Nesse período, as operadoras de saúde suplementar vinham tendo um crescimento econômico com planos médico-hospitalares, sendo vinculados 71,2 mil novos contratos. Em alguns Estados, como o de Minas Gerais, houve um impulso ainda maior: 61,7 mil no- vos contratos. Uma realidade bem diferente no Rio Grande do Sul, que teve uma queda considerável de beneficiários, totalizando 57,9 mil contratos rompidos.

Este quadro, no entanto, mudou drasticamente, pois o aparecimento do coronavírus (Covid-19) atingiu em cheio às  operadoras de saúde, causando impactos financeiros negativos, devido a inadimplência pela perda econômica dos usuários (desemprego), o fechamento de estabelecimentos do mercado empresarial. Além disso, o alto custo de internações pode comprometer a liquidez do sistema e levar a insolvência de operadoras de saúde suplementar.

Ainda neste aspecto, a PL.1542/20206, aprovada no Senado, congelando por 120 dias o reajuste de planos às operadoras, ajuda a agravar ou não o quadro, depende do lado que você está: operadora ou consumidor? Há de pesar também a suspensão de cirurgias eletivas, mas, fluxo de caixa e folego até quando? Se, consideradas as contas hospitalares das internações, clínicas e laboratórios, agravadas pela redução do número de clientes, e renegociações de empresas, e as cirurgias que estão suspensas como ficaria?

Outra situação, não menos importante, são os investimentos realizados pelas operadoras em profissionais da saúde e leitos hospitalares na possibilidade de o SUS saturar. No mercado, segundo a Ibovespa, algumas operadoras no período da pandemia viram suas ações despencarem pela aversão dos investidores ao forte risco.

O segundo aspecto que trago à reflexão está relacionado aos consumidores:“o Marisco entre o Mar e a Pedra”; de um lado a pandemia e de outro as operadoras. Segundo a PL. 1542/20, as operadoras não poderão fazer reajustes por 120 dias, mas, como ficarão os inadimplementos dos planos?

Os consumidores inadimplentes terão seus contratos rescindidos por inadimplência após 60 dias? A Agência Nacional de Saúde (ANS) tenta buscar soluções, dentre elas a propositura de um termo de compromisso, de liberar recursos ( R$ 15 bilhões do fundo de reserva do setor) pelo governo federal. Em contrapartida, as operadoras médico-hospitalares deverão dar assistência aos inadimplentes, tanto no coletivo, quanto no individual até o final de julho/2020. Mas, apenas nove, das 721 operadoras existentes, aderiram ao termo.

Em defesa das operadoras que não aderiram ao compromisso, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) diz que colocaria em risco as operadoras, devido aos altos gastos com a pandemia: “Atualmente, 85% do que é recebido pelas operadoras na forma de mensalidades se destina ao pagamento de prestadores como hospitais, laboratórios, médicos e enfermeiros. Um aumento da inadimplência poderia ter como consequência imediata o enfraquecimento do sistema no momento em que o setor mais precisa ter vigor”(Vera Valente – Diretora Executiva)7.

No concernente à defesa dos direitos do consumidor, põe-se em pauta, através do Procon, que deve haver a comunicação prévia das operadoras em caso de rescisão contratual, e o convite ao diálogo. A ponderação diante da gravidade do Covid-19, elucidando a imagem da operadora de saúde perante o mercado,  e que esta, ao negar coberturas, tenha sua identidade afetada, deverá ser considerada, pois talvez não se possa mensurar os impactos negativos que serão alcançados.

Diante de tanta insegurança  enfrentada pela pandemia, tanto pelas operadoras, quanto pelos consumidores, encontrar equilíbrio seria o mundo ideal, que não existe, infelizmente! Os anseios e o medo da morte, enfrentados por quem tem a informação do teste positivo do Covid-19, ou de algum familiar, gera desespero, porque tem que contar com o pagamento do plano/seguro em dia, em não haver reajuste, estar empregado e ser remunerado, ou no caso da empresa, em funcionamento e rentabilizando para cumprir com os compromissos financeiros.

Os aspectos do equilíbrio financeiro se faz necessário, sem dúvida, inclusive ao próprio sistema de saúde suplementar, mas, a que custo? Imagem no mercado? Será que teremos empresas com saúde financeira para continuar adimplindo os planos/seguros aos seus funcionários? Será que teremos clientes suficientes para sustentar o sistema?

E, como ficam os aspectos constitucionais, de direitos e garantias fundamentais, de direito à vida, à saúde, à dignidade da pessoa humana, e a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica?

A questão preocupante a ser imposta é de que se não houver um diálogo e acordo de maneira administrativa, as decisões recairão sobre o poder judiciário, criando colapso, pois, uma vez que direitos fundamentais entram em colisão, apenas o “poder do juiz”, lastreado em provas, e análise ao caso em concreto, deverá sopesar princípios constitucionais, e aplicar o mais adequado.

Pois bem, sem pretensão de aprofundar o assunto de técnica jurídica, mas, apenas permear superficialmente com intuito de aflorar a reflexão à preocupação e à gravidade da extensão de uma pandemia. Durante e depois de seu término, grandes são e serão os impactos de saldos de vítimas e de cunho econômico.

Mas não poderia refutar de fazer breves apontamentos que considero importantes para os operadores do direito, para tanto, menciono o renomado professor Ingo Sarlet, referência e conhecedor de Constituições Internacionais, e profundamente, da nossa

Constituição Federal/88. Para Ingo Wolfgang Sarlet, confere ao aspecto espacial da norma, o primeiro fator preponderante de distinção: “o termo “direitos fundamentais”, se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado,  ao passo que a expressão “direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional” .

Alguns doutrinadores, ao se debruçarem a muito estudo, tem seu posicionamento, no sentido de aplicabilidade da técnica, imediata e a relatividade de direitos fundamentais, e “análise do tensionamento, que existem entre os princípios”, cabendo ao juiz no caso concreto sopesar o que prevalecerá. É preciso destacar, alguns posicionamentos do STF, a respeito da possibilidade de limitação dos direitos fundamentais, afirmando que no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias não são de caráter absoluto.

A exemplo disso, o ministro Alexandre de Morais diz que “os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (princípio da relatividade).

Para o Ministro Luís Roberto Barroso: “não existe hierarquia em abstrato entre princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do caso concreto” .

Ainda, menciona Barroso: “Os limites dos direitos constitucionais, quando não constarem  diretamente  da  Constituição, são demarcados em abstrato pelo legislador ou em concreto pelo juiz constitucional. Daí existir a necessidade de protegê-los contra a abusividade de leis restritivas, bem como de fornecer parâmetros ao intérprete judicial”.

Na doutrina de Ronald Dworkin: “as normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica típica de qualquer Estado democrático de Direito. Não é de se estranhar, dessa forma, que elas frequentemente, no momento aplicativo, entrem em rota de colisão”.

É possível concluir, que o operador do direito deve ter a compreensão sobre a colisão de direitos fundamentais por serem complexas, e a solução a ser imposta deverá percorrer as informações do caso concreto e dos argumentos técnicos-jurídicos fornecidos pelas partes envolvidas no processo, cabendo ao juiz evidenciar a necessidade de ponderação das garantias constitucionais para a solução do conflito.

Cabe ainda, destacar que é de suma importância a especialidade e especificidade da matéria de saúde suplementar, que é técnica e merece estudo, visto que, ao ser levado a demanda ao poder judiciário, que deverá estar atento em seus julgamentos, principalmente no aspecto do impacto econômico, pois o juiz, ao julgar estes casos de contratos de massa, indicará uma tendência que, poderá ou não, colapsar o sistema como um todo, se essa decisão for estendida aos demais contratos similares. Por isso, tem que haver um equilíbrio por parte do magistrado ao fazer a análise econômica do direito e a importância de estar atento às consequências no equilíbrio do sistema como um todo.

A vida cotidiana não será mais a mesma, enfrentaremos verdadeiras “guerras”, seja em função de mais desigualdades sociais, seja pela recessão do fechamento de empresas, desemprego, fome. O Covid-19 chegou rapidamente sem avisar no Brasil, os cidadãos que não possuem saúde suplementar, extremamente vulneráveis em vários aspectos, em relação a estrutura de saúde pública e açoita- dos pela desinformação.

Por outro lado, e quanto aos “mais favorecidos, que representam 37,62% da população”, que possuem saúde suplementar, mas, pairando a dúvida de até quando poderão usufruir os benefícios em virtude da perda econômico-financeira?! E, ainda as operadoras dos planos/ seguros saúde, que tentam manter sua “saúde financeira”, pressionadas política e socialmente, diante do impedimento de realizar reajustes; a ANS recomendando renegociações de contratos e a adição de procedimentos, que devam ser cobertos pelas operadoras. Do outro lado, o Procon, em defesa dos consumidores, fornecendo orientações, dentre elas, a não suspensão ou cancelamento da saúde suplementar em razão da inadimplência no período da pandemia. Com certeza existe um marco: “Antes do Covid-19 e Depois  do  Covid-19”, de grandes impactos na vida das pessoas, em vários aspectos. Seja pelo saldo de vidas, ou a falta delas, seja pela ordem econômica, e aqui não importa de que lado você está!

Pesquisa bibliográfica:

BRASIL. Constituição, 1988.

Site: https://cebds.org/estudo-destaca-beneficios-com-expansao-saneamento-brasil/ Site:https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2020/03/conheca-5-maiores-pandemias-da-historia.html Site:https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141436

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. NETO, Ney Wiedemann, 3° Vice-Presidente, Desembargador do Tribunal de Justiça/RS.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

MORAIS, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2003. Site:https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/economia-do-brasil-encolhera-52-por-causa-de-

-pandemia-preve-cepal

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio: tradução Luís Carlos Borges – São Paulo: Martins Fontes, 2000 (Justiça e Direito) Título Original: A matter of principle.

Site;http://www.ans.gov.br/

Site: https://coronavirus.saude.gov.br/, Site: https://www.procon.rs.gov.br/inicial

Site:https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/09/quem-nao-pagar-conta-pode-ter-plano-de-saude-

-cortado-em-meio-a-pandemia.htm.

 

 

A.C e D.C na saúde suplementar X mercado consumidor